*Publicado pelo jornal Diário do Nordeste: shorturl.at/diAIO
O discurso oficial bolsonarista é rechaçar de forma sistemática os resultados divulgados nas pesquisas de intenção de voto e afirmar que a “verdadeira” pesquisa é o povo na rua, em alusão à grande quantidade de pessoas nos eventos com a presença do presidente. Contudo, internamente, está claro que os números têm preocupado o governo. Tendo visto sua popularidade derreter ao longo de 2021, o presidente conseguiu melhorar seus índices de aprovação e intenção de voto a partir dos últimos meses do ano passado e durante esse primeiro semestre de 2022.
Contudo, a melhora não traz tranquilidade por dois motivos: primeiro, porque esse crescimento foi bem menor do que se esperava e Bolsonaro alcança hoje cerca de 33% das intenções de voto, número semelhante ao que tinha no começo do ano passado. Segundo, porque seu crescimento não tirou votos de seu principal adversário. A intenção de voto de Lula segue estável nos últimos 12 meses, oscilando entre 40 e 44%.
Já parece ser unânime o entendimento de que o principal entrave para a recuperação de Bolsonaro é a economia, especialmente a inflação que assola o país e recai de forma ainda mais dramática sobre a população mais pobre. Nesse sentido, o governo tem feito dessa a sua principal trincheira nos últimos tempos.
Num primeiro momento, o foco se deu sobre os sucessivos aumentos dos preços dos combustíveis, que culminou com a aprovação do projeto que reduz as alíquotas de ICMS sobre combustíveis e energia elétrica, medida que é, sem dúvidas, positiva para o governo, mas seu impacto não deve ser muito significativo por alguns motivos.
Em primeiro lugar, apesar dos combustíveis terem um peso relevante sobre a inflação, a maioria da população, que não compra gasolina ou diesel, não sente seus preços diretamente no bolso, seu efeito é indireto. E, em segundo lugar, com o nível dos preços que o país já alcançou e com a previsão de novos aumentos no futuro, é provável que o projeto reduza os preços apenas inicialmente, servindo apenas como um alívio momentâneo.
Depois de meses dedicados ao tema combustíveis, com críticas e troca de farpas com a Petrobras e os governadores, finalmente parece ter chegado à percepção do governo que esse não é o principal inimigo da popularidade do presidente. Como falamos, o efeito dos combustíveis é indireto para a maior parte da população, que são os mais pobres, segmento da população mais simpática a Lula, e para esse grupo, a inflação que mais impacta sua vida é a dos alimentos.
Segundo dados do DIEESE, o preço médio da cesta básica subiu 66% desde o início do governo Bolsonaro, 3 vezes mais que o salário mínimo, que cresceu apenas 21% no mesmo período. O valor médio da cesta nas capitais brasileiras chegou a R$ 665,81 em maio, o que representa cerca de 60% do salário mínimo líquido (descontada a contribuição do INSS). Compreendendo que a redução do preço dos combustíveis apela mais fortemente às classes média e alta, o governo voltou os olhos para uma medida com impacto direto sobre os mais pobres e decidiu aumentar em 50% o valor do Auxílio Brasil até dezembro deste ano, projeto que deve ser aprovado e entrar em vigor a partir de agosto.
A princípio, essa pode ser a medida com maior possibilidade de gerar impacto positivo sobre a avaliação do governo, contudo, não é algo certo ou imediato. Esta é a quarta oportunidade em que o governo Bolsonaro toma uma medida de transferência direta de renda para a população mais carente do país. Em 2020, durante a 1ª onda da Covid-19, tivemos a primeira rodada do auxílio emergencial sendo paga de abril a dezembro; em 2021, tivemos a segunda rodada do auxílio emergencial sendo paga de abril a julho e, em novembro, o Bolsa Família foi substituído pelo Auxílio Brasil, com um aumento do valor mínimo para 400 reais.
Observando a avaliação do presidente ao longo de seu mandato, podemos ver claramente o impacto que cada uma dessas medidas teve sobre sua aprovação e também fazer algumas suposições do que deve ocorrer nesse momento. Durante a pandemia, o discurso negacionista do governo federal gerou fortes desgastes e sua avaliação negativa cresceu fortemente.
O primeiro auxílio emergencial, cujos pagamentos começaram em abril de 2020, com um valor bastante considerável (em alguns casos chegava a 1.200 reais), claramente reverteu parte desse desgaste, estancando a sangria e contribuindo para um pequeno crescimento da aprovação durante o 2º semestre daquele ano. Com o fim dos pagamentos em dezembro de 2020, vemos uma nova queda da aprovação do presidente até abril de 2021, quando se iniciam os pagamentos da 2ª edição do auxílio emergencial, rodada essa com valores menores e duração mais curta, de apenas 4 meses.
Com o 2º auxílio, novamente vemos uma melhora na avaliação de Bolsonaro, mas bem menor e por pouco tempo, e, já em julho, a aprovação do presidente volta a cair e chega ao patamar mais negativo do mandato, com cerca de 55% da população avaliando o governo como ruim ou péssimo. Em novembro do ano passado ocorre a substituição do Bolsa Família pelo Auxílio Brasil que elevou o valor do benefício e, novamente, vemos que a popularidade do presidente começa a se recuperar, ainda que de forma lenta e não suficiente para que os indicadores sejam positivos.
Do final do ano passado a julho deste ano, a aprovação de Bolsonaro subiu cerca de 7 pontos, porém, segue majoritariamente negativa, com cerca de 50% de avaliação ruim ou péssima e 30% de ótima ou boa. Observando os altos e baixos mais recentes da avaliação do presidente, não há dúvidas de que os programas de transferência de renda têm sido os principais responsáveis pelas melhoras, ainda que tímidas, na sua aprovação e é de se esperar que o aumento de 50% no valor do maior programa social do país deva lhe render algum crescimento nas pesquisas.
Contudo, a última onda de melhora de sua imagem foi basicamente uma recuperação de parte do eleitorado que estava temporariamente insatisfeito com o governo e, daqui para frente, a tarefa é bem mais desafiadora. Em primeiro lugar, porque as recentes medidas visam dar resposta à crise inflacionária a qual, para parcela considerável da população, tem o presidente como principal culpado, de forma que, para muitos, trata-se de Bolsonaro tentando corrigir problemas que ele mesmo ajudou a criar. Em segundo lugar, porque não se trata mais de trazer de volta quem já gostava do presidente, mas de transformar a imagem de eleitores que há muito tempo já antipatizam com ele.
Desde 2021, sua desaprovação está acima de 50%, tendo ultrapassado os 60% em várias ocasiões, assim, não estamos falando de um curto espaço de tempo em que o presidente se desgastou, mas do fato de que pelo menos metade dos brasileiros estão insatisfeitos com o governo há, no mínimo, um ano e meio, tempo longo o bastante para que essa percepção negativa tenha se cristalizado, de modo que a tendência é que sua opinião não mude da noite para o dia a partir de uma ou outra medida, ainda que seja bem vista.
Em conclusão, dificilmente veremos uma mudança significativa nos números de intenção de voto ou de avaliação do governo mesmo após a aprovação do chamado pacote de bondades. A pauta certamente é positiva para o governo, porém, as opiniões negativas de boa parte da população já estão razoavelmente consolidadas, e, em condições normais, não devem mudar em espaço tão curto de tempo (estamos a menos de 3 meses da eleição). Por outro lado, muito em breve sairemos de condições normais e entraremos no período excepcional da campanha eleitoral, quando as atenções estarão voltadas à política e aos candidatos.
Daí para frente, outros cálculos entram em jogo e, especialmente num contexto tão polarizado como o que vivemos, a formação do voto se dá muito mais com base na emoção do que na razão. Não percamos de vista que os números de hoje representam apenas isso: o hoje. Com uma campanha pela frente, muito pode mudar.
Pedro Barbosa é cientista político e diretor técnico do Instituto Opnus de Pesquisa.
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